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Meu maior momento de felicidade enquanto bola (Foto: Aníbal Philot / Agência O Globo) |
Faço-me presente na imagem que ilustra este texto. Permitam, caros leitores, que eu me apresente.
Chamo-me
bola.
Artefato
esférico de couro, constituído de gomos e costuras, insuflado por uma
quantidade específica de ar, cuja calibragem adequada é essencial para o meu
perfeito rolar.
Acostumei-me,
desde que aqueles ingleses malucos inventaram um esporte sensacional chamado
futebol, a escrever destinos, a pontificar o rumo de batalhas épicas, a eleger
heróis ou vilões.
Sou
democrática. Presto-me docilmente aos cuidados de gênios e operários, desde que
imbuídos do desejo da superação, de gravar a ferro e fogo seus nomes nos livros
de história. Escapo do domínio daqueles que trocam a glória pelo medo de errar.
Definitivamente,
não sirvo a covardes.
Dentre
inúmeras páginas imortais em que me fiz centro das atenções, poucas eriçam
tanto as fibras do meu couro quanto o Fla-Flu de 1995.
Hoje, a nação
dos que vibram pelo verde, branco e grená comemora aquela fatídica jogada em
que fui desviada pela barriga de um Rei, que tinha o rei na barriga.
O relógio
contava 42 minutos do segundo tempo. Os tricolores, com um homem a menos (viriam a ter mais jogador expulso nos acréscimos) e
um empate que garantia o título ao adversário, procuravam meios de refazer a
força mental e a energia física em busca do objetivo.
Eis então que
o Ronald me domina na lateral direita, com ambição, e me projeta na
direção de Aílton. Com reverência e habilidade, o meio-campista tricolor resolve me convidar para uma valsa a três, aplicando um drible sobre Charles Guerreiro para a esquerda, outro
em seguida para a direita e deixando seu oponente fatigado da dança. Era chegado o
momento de desferir o golpe fatal.
Naquele
momento, quando Aílton ergueu a cabeça e olhou em direção ao gol, o Maracanã se
fez congelar. Eu, o estádio, a torcida, os gladiadores em campo, o árbitro,
tudo se converteu numa silenciosa fotografia em preto e branco, imagem paralisada em
um imperceptível átimo de segundo, tempo suficiente para que os deuses
confabulassem e determinassem meu destino.
Naquele
momento, senti que estava submetida a algo mais do que os caprichos da física.
Era possível sentir o toque de Gravatinha, o sopro de Castilho, a ordem de
partir em direção ao gol que emanava de Nelson. Quando a fotografia tornou a
ser cinema, drama em movimento, rumei sem remédio em direção ao corpo de
Renato, macia o suficiente para apenas reparar a direção equivocada do chute de
Aílton, que me mandaria para fora.
Quando dei
por mim, estava lá, no fundo das redes e das almas, determinando a glória
suprema dos tricolores, a dor insuperável dos rubro-negros. Naquela noite, eu
não me fiz instrumento da alegria da maioria, e sim a felicidade de um terço
daqueles que se fizeram presentes no Maracanã. Contavam-se 120 mil vivos,
sabe-se lá quantos outros desencarnados, mas apenas a uma abençoada minoria
estava destinada a festa imorredoura, que hoje completa 20 anos de morada na eternidade.
Vencia o
Fluminense, fazendo-se triunfar sobre a mística da camisa rubro-negra, aquela
que diziam jogar sozinha, empurrada por seu séquito apaixonado de seguidores. A
mística acabara de ser convertida em crendice e para aprendizado de todos, o
“Ai Jesus” se fez explicar cabalmente.
Somente o
Fluminense, e nenhum outro clube do mundo, em condições tão adversas, sob a
chuva redentora que desabava sob o Rio de Janeiro, era capaz daquela façanha.
E eu,
artefato de couro, entidade suprema do futebol, me fiz testemunha e
protagonista, das coisas que só o Fluminense é capaz de aprontar.
Por Bola (Ou Bruno Leonardo)
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