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Edson comemora com Vinicius seu gol contra a equipe do Goiás (Foto: Nelson Perez/ Divulgação FFC) |
Após a derrota por 4x1 para o Atlético-MG, na 2ª rodada do campeonato,
eu escrevi a resenha mais dura entre todas que já publiquei pelo FluLink.
Não fui apenas duro, não. Fui cruel. Peguei pesado. Entre muitas coisas,
sugeri que este não era um time de homens. Pedi para que nossos jogadores
atuassem na partida posterior, contra o Corinthians, com vergonha de si mesmos.
Falei em falta de amor próprio. Chamei Cavalieri de “outrora grande goleiro”.
Naquela ocasião cheguei a abordar aspectos táticos e técnicos para
tentar explicar a goleada sofrida. E é bem possível que tudo tenha ficado
apenas neste plano. Falar de uma suposta falta de brios ou honradez é uma
tentação em que podemos cair quando nos deixamos levar pela ira. O Fluminense
enfrentou uma equipe tecnicamente superior, numa tarde inspirada, e muito
melhor treinada. Talvez tenhamos visto um time desorientado, sem saber o que
fazer, e não um time sem vergonha na cara.
O que sei é que agi com a paixão, e a paixão, sanguínea como ela só, não
tem por virtude ser justa. Mas o amor sim. Vejam que minha coluna se chama Amor
ao Tricolor. E por amor ao Tricolor, é meu dever reconhecer que errei e fui
muito injusto. Do resto, se encarregará a vida e o leitor, que pode continuar
me dando novos votos de confiança, ou me abandonar, por entender que não estou
qualificado para a tarefa de resenhar sobre o Fluminense. Tudo é aprendizado.
Vamos recapitular o que se sucedeu daquela goleada para cá. 1) Vencemos
um clássico na base da superação, contra o Flamengo, jogando com um a menos desde o começo do 2º tempo, por conta da expulsão inventada de Giovanni. 2)
Quase arrancamos um empate contra o Palmeiras em São Paulo, enfrentando uma arbitragem caseiríssima,
também jogando quase todo o 2º tempo com menos um. 3) Vimos Marlon pedir para jogar contra a Ponte Preta, quando o clube lhe havia concedido folga, após voltar do
Mundial Sub-20 com 3 prorrogações e uma diferença de fuso horário de 15 horas
na bagagem 4) Nesta mesma partida, Vinicius levou um chute violento no
rosto, e mesmo zonzo, com olho roxo, permaneceu em campo para conduzir a equipe
à vitória.
Não são atitudes e feitos de um time de moleques, e sim, de homens.
Porém, nada que já tenha ocorrido nesta temporada se compara com a
vitória heroica obtida ontem contra o Goiás, que nos coloca no G4 e no pelotão de frente do certame. As doses de dramaticidade foram
distribuídas de tal forma que julgo impossível falar deste jogo sem parafrasear
o mestre Nelson Rodrigues:
“A verdade incontestável é que ninguém ganha da
forma que ganhamos. As nossas vitórias são cardíacas, e nos levam da extrema
falta de perspectiva, do máximo sofrimento, da crueldade, ao êxtase, ao épico,
ao apoteótico, tudo junto, quase sem fronteiras entre esses opostos”.
A frase de Nelson define o Fluminense de forma metafísica, atemporal.
Passam décadas e o Fluminense de hoje continua vencendo partidas do mesmo jeito
que aquele Fluminense que Nelson conheceu vencia. Você consegue explicar as grandes vitórias alheias racionalmente, com um enredo linear. No caso do Fluminense, não. Sem pitadas de sofrimento e irracionalidade, você corre o risco de descrever uma grande vitória do Fluminense e mentir.
Se não, vejamos. Mal havíamos soltado o último suspiro de alívio com o
gol de Wagner, e lá estava o Fluminense novamente tratando de fazer um dueto
com a agonia. Quando dei por mim, vi Gum cair ao chão e esticar o braço para
evitar um gol certo e ser expulso. De uma só tacada, um empate conquistado a
duras penas se transformava na possibilidade de ficar novamente atrás do placar
e com um homem a menos. A sensação de desalento tomou conta. Da extrema falta
de perspectiva, vimos Cavalieri defender milagrosamente um pênalti, e manter o
Tricolor respirando sem ajuda de aparelhos. Parecia estar renascido aquele mito
esguio, de braços longos, pernas compridas e defesas perpetradas com absoluta
frieza, sem o que seria impossível contar a saga de 2012.
Veja o que é o Fluminense quando a sina da vitória lhe acompanha. Nosso
trunfo para mudar o panorama do jogo, nossa alternativa para um Gerson
novamente improdutivo e pouco inspirado atendia pelo nome de Lucas Gomes. Nem
no meu mais alucinado arroubo de otimismo poderia imaginar que venceríamos uma
partida com um homem a menos e dependendo das arrancadas de Lucas Gomes! Eis
que o nosso menosprezado atacante entrou muito bem, indo à linha de fundo para
participar do lance do nosso 1º gol e servindo como boa válvula de escape para
os contra-ataques e peça importante na retenção de bola na frente. Pode-se
dizer que fez sua estreia pelo Fluminense ontem.
Foi, por sinal, de uma bola levantada na área de Lucas Gomes que
originou o gol da vitória. A ajeitada de cabeça de Henrique encontrou Edson,
que dominou e chutou cruzado de esquerda para estufar as redes e dar números
finais ao placar. Esta jornada guerreira do Fluminense não poderia ter
encontrado o caminho da vitória de forma mais simbólica se não pelos pés de
Edson. Edson conheceu a fome, perdeu amigos para as drogas, conheceu o lado
escuro da vida. Vem de um recorte da realidade onde não existe segunda chance.
Toda chance é a última. Se houve um elo de ligação entre o sofrimento extremo e
o êxtase da vitória foi ele.
Eu disse sofrimento extremo? Sim, porque a peleja ainda reservaria doses
extras de crueldade, quando perdemos Vinicius por lesão e não tínhamos mais
direito a substituições. Com dois a menos, e acuados pela pressão do Goiás,
cada um jogou por dois. E foi gratificante ver Giovanni fazer excelente partida
defensiva pelo lado esquerdo. Ver Henrique entrar na fogueira e dar conta do
recado. Ver Pierre ajudando a fechar a entrada da área. Cavalieri voltando a
ser fundamental. Foi uma contagem regressiva agoniante até o apito final. Cada
chute ou cabeçada adversária para fora comemorada como um gol nosso.
Quando Luíz Flávio de Oliveira apitou o fim do jogo me convenci que
chegou a hora de decretar que finalmente o Time de Guerreiros (ou de Pedreiros)
está de volta. De cócoras no gramado, Lucas Gomes, que muito correra, vomitava
no chão, tamanho o esforço desprendido.
Difícil se desligar da adrenalina de um jogo destes e retomar a vida
normal. Difícil pensar na segunda-feira e toda a carga de obrigações que ela
traz consigo: o expediente de trabalho, as contas para pagar, a pia cheia de
pratos para lavar, a consulta do dentista, etc. As emoções mornas da rotina e
as emoções de um jogo do Fluminense não parecem pertencer à mesma dimensão da
existência. São vidas paralelas.
TIRO LIVRE:
- Jean fez uma baita partida. Essencial na saída de bola e na
recomposição defensiva. Faço questão de reconhecer, porque em geral sou muito
crítico com nosso camisa 7. Se atuasse sempre nesse padrão, reeditaria 2012.
- Não vi excesso de lentidão de Gum no gol que sofremos. Atacantes de
velocidade como Erik sempre serão mais velozes. Faltou Cavalieri sair do gol.
Se jogamos com zaga adiantada, é preciso que Cavalieri se adiante também. Se
ficar plantado no gol, cria-se uma lacuna perigosa entre ele e os zagueiros.
Mas nosso goleiro saiu deste jogo com créditos renovados. Fez uma partidaça.
- A se confirmar que o Fluminense ficará com apenas 17 milhões de reais
na venda do Kenedy, considero esta venda lesiva ao Fluminense. Enfraquece o
elenco num momento em que nos inserimos no G4 e não gera uma renda capaz de
resolver nossos problemas. Pelo contrário, vendendo por tão pouco, o Fluminense
corre o risco de manter um ciclo vicioso de revelar, vender precocemente para
pagar contas e pior, ficar com jogadores bem mais velhos no elenco, como Magno
Alves.
- Vejam como são as coisas: se o árbitro tivesse marcado pênalti naquele
chute escandaloso na cabeça do Marcos Júnior, na partida contra o Sport,
poderíamos estar comemorando liderança isolada neste momento. Até porque o
Sport não pontuaria. Teríamos 19 x 18 pts.
Por Bruno Leonardo
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