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» » » » » Vinte anos para os homens, a eternidade para os deuses
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Renato Gaúcho comemora o título épico junto à torcida tricolor (Foto: Aníbal Philot/ Agência O Globo)

Reparem na forma como o torcedor rubro-negro se refere aos seus rivais cariocas. Há sempre um sorriso a ilustrar sua empáfia, há sempre uma piada, nova ou requentada, para embalar sua autoconfiança, bem como a lembrança de uma teimosa freguesia, para reforçar a certeza da vitória.

Exceto quando se trata de Fluminense. O Fluminense é o único de seus rivais que não lhes inspira bom humor. O sorriso largo e sincero que estampam na face ao tecerem prognósticos de seus duelos contra o Cruzmaltino ou o Alvinegro, se converte em semblante de incerteza ao falarem do Tricolor.

Não foram poucas as feridas impostas pelo Fluminense ao coração rubro-negro em todos esses anos. Desde a partida inaugural, quando ainda não se tinha ideia que aquela peleja se transformaria no maior clássico do futebol brasileiro, tem sido assim. Uma equipe de reservas sobrepujou um time de 9 titulares dissidentes, no mais improvável dos triunfos, e inaugurou no futebol o conceito da mística da camisa, da qual nossos próprios rivais se apropriaram posteriormente. 

Mas de todas as chagas abertas na carne rubro-negra, nenhuma se faz sentir tão vividamente, qual ferro em brasa, como o título carioca de 1995. Muitos rubro-negros até hoje, ao relembrar aquela fatídica partida, embargam a voz, marejam os olhos, e falam com desconforto daquela derrota, como uma ferida não exorcizada. Quem quiser ter uma demonstração do que estou dizendo, sugiro que assistam ao excelente documentário “Fla-Flu: 40 minutos antes do nada” e prestem especial atenção ao trecho que aborda este jogo épico.

Não se tratava exatamente de uma finalíssima, mas da última partida de um octogonal decisivo em que apenas o Fluminense e os dissidentes da Gávea possuíam chance de título. O Flamengo vivia uma de suas típicas fases de extravagância financeira, dessas que cobram sua conta até hoje, sob a gestão do hoje investigado Kléber Leite. Além da contratação do treinador Vanderlei Luxemburgo, vivendo o auge de sua carreira, o clube de regatas foi resgatar do Barcelona o artilheiro Romário, ainda sob a aura de melhor jogador do mundo e tetracampeão mundial pela seleção brasileira. Romário formava com Sávio, então grande revelação do futebol brasileiro, um ataque respeitável. Cerca de um mês depois desse Fla-Flu decisivo, Edmundo se juntaria à dupla para formar o “melhor ataque do mundo”, que jamais fez jus a essa alcunha em campo. E até mesmo Branco, outro tetracampeão mundial, e ídolo tricolor, bandeou para as hostes rubro-negras a fim de reforçá-las.

O Fluminense, por sua vez, vinha de uma fila de 9 anos sem conquistar um estadual, com um elenco mais modesto e folha salarial 3 vezes menor, mas tendo em seu craque Renato o capitão e esteio técnico. Para acinzentar ainda mais nosso horizonte, o clube vivia época de vacas magras, com cerca de 3 meses de salários atrasados, sem que, no entanto, tal fato comprometesse o empenho de nossos jogadores.

Os gentios rubro-negros fiavam-se na vantagem de um empate para levantar a taça. Aos tricolores, somente a vitória garantia o título. Antes da derradeira e decisiva partida, outros três Fla-Flus haviam sido disputados naquele certame, com um empate e duas vitórias do Fluminense, o que levou a torcida pó-de-arroz a compor um saboroso cântico: “O primeiro zero a zero, O segundo três a um. O terceiro foi quatro a três, E o Flamengo virou freguês!”.

Havia chegando então o grande dia. Cento e vinte mil almas encarnadas, e sabe-se lá quantas outras de além-túmulo, acorreram ao Maracanã para assistir à partida decisiva. Caía sobre a cidade uma chuva descomunal, um Rio Amazonas sob forma de dilúvio, como a trazer um elemento extra de dificuldade para os atletas e torcedores.

O Fluminense fôra impecável na primeira etapa. Aos 26 minutos, Rogerinho acha Leonardo na ponta esquerda, que rola para Renato, que mesmo caído no chão se estica para fazer a bola morrer mansamente nas redes rubro-negras: 1x0 para o Tricolor. O Gigante das Laranjeiras seguiu pressionando, com a bola sempre recebendo o carimbo dos pés de Aílton e Djair no meio de campo, à procura de Leonardo e Renato, que abusavam das jogadas em velocidade. Aos 42, Renato briga por um rebote proporcionado pelo goleiro Roger e toca para Leonardo ampliar: 2x0! Fim do primeiro tempo. No intervalo do jogo, a torcida tricolor pressentia que o fim do jejum era chegado e começava a cantar: 

“Não é mole não, chegou a hora de gritar é campeão”.

Com uma desvantagem considerável nas costas, o Flamengo pôs a faca entre os dentes e voltou com tudo para o 2º tempo. Aos 20 minutos de jogo, Branco, atuando como meio-campista à época, acerta uma bomba no travessão tricolor, em cobrança de falta, o que acendeu de vez a torcida rubro-negra.

A pressão adversária seguiu numa crescente até que aos 26 minutos Romário marca pela primeira vez (em uma partida oficial) um gol contra o Fluminense, após um bate-rebate dentro da área. Com o intuito de retardar o reinício do jogo, Sorlei do Flu se embolou com Marquinhos do Fla na disputa pela bola que estava no fundo das redes e ambos acabaram expulsos da partida. Empurrado pelo incentivo ensurdecedor da torcida do Flamengo, Fabinho, volante de parcos recursos técnicos, faz um gol improvável de empate aos 32 minutos. Um golaço, por sinal. Em um corte seco, ele tira 3 defensores tricolores da jogada e chuta de curva no canto direito de Wellerson. Dois terços do Maracanã explodiam em êxtase.

Com o empate em 2x2, o clube de regatas se sagrava campeão. E, para piorar a situação dos tricolores, Lira é expulso pelo árbitro Léo Feldman, após acertar carrinho frontal em Fabinho.

A torcida do Flamengo comemorava o título. O alardeado favoritismo do clube de regatas era abraçado de vez por sua torcida e pelas narrações de tv e rádio. Os minutos restantes pareciam um passar de tempo protocolar que antecedia o triunfo rubro-negro. Mas somente os incapazes de entender a grandeza do Fluminense enxergavam ali um time conformado com a derrota, tal qual um boi caminhando resignado para o matadouro.

Eis que aos 42 minutos o meia Ailton, após receber lançamento de Ronald na ponta-direita, aplica dois dribles desconcertantes em Charles Guerreiro, ergue a cabeça e arrisca um forte chute cruzado em direção à meta do Flamengo.

Fosse o Fla-Flu um jogo ordinário, desses marcados pela previsibilidade, o chute de Aílton sairia pela linha de fundo e confirmaria o título rubro-negro, que já se desenhara 10 minutos antes com o gol de Fabinho. Porém, a história deste clássico estava reservada a um jogador tido como decadente, disposto a provar que em suas veias ainda corria um sangue de campeão: Renato Gaúcho. O camisa 7 tricolor teve a presença de espírito para pôr a barriga na bola e desviar para o fundo do barbante não apenas a bola, mas a arrogância de quem canta título antes da hora, de quem se julga preferido pelos deuses pelo simples motivo de ser maioria.

Os tricolores, em minoria no estádio, conscientes de que ao cabo de todo dilúvio vem a colheita, recebiam eufóricos a recompensa por terem mantido inabalável sua fé. Sentiram tatuada na pele a força do verso “quem espera sempre alcança”. Restavam, no entanto, cinco infindáveis minutos até o término da partida, em que o Fluminense viria a ter mais um jogador expulso: Lima, após providencial entrada que fez Sávio rodopiar pelos ares. Veio o apito final, e com ele, a mais cintilante página do Fla-Flu havia acabado de ser escrita: Fluminense campeão!

O Fluminense, como em tantos outros episódios de sua história, dançou sobre o abismo, desafiou o impossível, e se provou maior do que a vida. A taça, a bendita taça era nossa, e de seu ventre transbordava o mais puro néctar da vitória, que os tricolores até hoje sorvem com êxtase, para todo o sempre.


Por Bruno Leonardo






Autor: Bruno Leonardo

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