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Uma bicicleta foi utilizada para homenagear Jaime Gold, ciclista esfaqueado dias atrás na Lagoa (Foto: Gazeta Press) |
Enquanto eu e alguns amigos
desfrutávamos do privilégio de assistir ao Fluminense jogar no Maracanã, um
tricolor em especial foi privado desse prazer. A rigor, este tricolor foi
privado do seu direito mais precioso e fundamental: o direito à vida.
A imagem de uma bicicleta
solitária sobre o escudo do Fluminense gritava sua ausência. Jamais vi um
simples objeto chamar tanta atenção para além de si quanto aquele veículo de
duas rodas. Jaime Gold era um um homem de boa vontade, destes que não
encontramos em qualquer esquina. Ou ciclovia. Sua vida se encerrou ao cruzar o
caminho de dois criminosos que lhe esfaquearam covardemente às margens da Lagoa
Rodrigo de Freitas, sem que o médico tivesse esboçado qualquer reação.
Perfeita tradução da fidalguia
tricolor, Jaime abdicou de uma carreira próspera nos consultórios particulares
para se dedicar à medicina pública, no hospital do Fundão, onde clinicava e
dava aulas. Pai atencioso, assumiu a criação dos dois filhos após o divórcio.
Generoso, comprava remédios para seus pacientes mais humildes e lhes dispensava
a atenção necessária, cada vez mais rara nas consultas de plano de saúde. Não
apenas recomendava exercícios aos seus pacientes. Exemplificava tais
recomendações com um estilo de vida saudável, atlético.
Nas brigas entre torcidas, nos
assaltos de todo dia, na favela e no asfalto, a vida no Brasil está valendo
menos que uma carteira, um celular ou uma bicicleta. São mais de 50 mil pessoas
assassinadas todos os anos. Como dizia a famosa canção “Haiti”, de Gilberto Gil
e Caetano Veloso, ninguém é cidadão. O exemplo de Jaime é um forte convite para
que sorvamos a taça do ódio, enquanto nos iludimos com a falsa cidadania do
poder aquisitivo, que compra cercas eletrificadas, câmeras de última geração,
mas não nos restitui a paz.
Enquanto há quem aproveite o
episódio para reiterar a defesa da pena de morte, prefiro ficar com o exemplo
de solidariedade ao próximo deixado pelo cardiologista, que salvou muitas
vidas. À família e amigos, nossos sentimentos mais fraternos e nossas orações.
A semente do bem plantada por Jaime há de frutificar e triunfar sobre a morte,
uma mera ponte entre duas vidas.
Permitam-me mudar a chave para
falar agora sobre a coisa mais importante entre as que não importam: o futebol.
Fluminense e Corinthians fizeram
uma partida morna, com poucas chances de gol criadas por ambos os lados.
A evolução da equipe tricolor foi
nítida, em especial na parte defensiva, com a dupla Gum e Antônio Carlos
demonstrando melhor entrosamento, sobretudo nas bolas altas, onde ganharam
praticamente todas as disputas.
Era de se prever que o duelo
contra os gambás contivesse doses de suspense e drama bem mais leves do que a
partida contra o Atlético. Em primeiro lugar porque o Corinthians é um time
fundado na cautela defensiva e acostumado a especular com o jogo, em vez de
propô-lo. Parecia determinado a conquistar o empate desde o apito inicial. Tite
armou o time com Ralf, Bruno Henrique e Petros, três volantes, no seu já
tradicional 4-1-4-1. Portanto, apesar da evolução, ainda temos pouco a
comemorar. O Corinthians nos exigiu bem menos que o Atlético-MG.
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Fred e Petros travaram um duelo de empurrões e provocações, que se estendeu até a saída de campo (Foto: Reprodução Sportv) |
Na estreia à frente da equipe
tricolor, Enderson optou por não mexer na estrutura tática da equipe,
insistindo num 4-2-3-1 mais à moda Cristóvão Borges do que à moda Drubscky.
Foram-se os 3 volantes, com a saída de Pierre e a volta de Wagner. Com Jean
mais recuado e Vinicius ocupando a faixa central, o Fluminense demonstrou
sensível melhora na saída de bola, mas ainda sem a verticalidade necessária
para se infiltrar na área e sem uma referência móvel na frente. Os meias, quando
carregam a bola, encontravam Fred ora enfiado entre os zagueiros, ora saindo da
área para tabelar, tamanha a dificuldade de receber a bola em boas condições de
finalização.
Para completar o Fluminense
insistia em cruzamentos quase sempre interceptados pelo goleiro varapau dos
gambás. Pelas laterais, Renato não sofreu o drama que se previa com as
investidas velozes de Mendoza, mas se mostrou um tanto enrolado para
cruzar, ora errando a passada, ora demonstrando pouco entendimento com
Gerson ao fazer as ultrapassagens. Pela esquerda, Giovanni era a imagem da
falta de ambição. A parceria com Wagner vista ao longo do estadual não se
repetiu. Se deseja se firmar como um lateral defensivo, Giovanni poderia ao
menos se espelhar em Fábio Santos, cuja saída de bola e capacidade de marcação
são muito superiores.
Não desgostei da partida de
Gerson. Aplicado sem a bola, marcando as subidas de Fábio Santos e
apresentando-se frequentemente para o jogo quando retomávamos a posse da mesma,
Gerson fez boa partida, mas demonstra estar escalado incorretamente. Sendo canhoto,
ou lhe resta o chute cruzado de chapa, a la Robben, ou a entrada em diagonal na
área, fazendo o famoso “facão”. Nem uma nem outra jogada são sua especialidade.
A jogada mais perigosa do camisa 30 é quando inverte jogada no segundo pau.
Numa dessas, quase saiu um gol do Fluminense quando Jean pegou mal de esquerda
e atrapalhou Wagner, que vinha logo atrás e certamente teria condições de
concluir com mais perigo.
Acusando cansaço no 2º tempo,
Vinicius deu lugar a Lucas Gomes. Pouco depois, Gerson foi substituído por
Magno Alves. As mudanças desarticularam a transição do Fluminense para o
ataque. Percebendo esta dificuldade e o desgaste físico da equipe tricolor,
Tite fez o time adiantar a marcação, colocou Emerson Sheik, e começou a nos
causar problemas. As entradas posteriores de Danilo e Elias fizeram
o Corinthians ir para cima de vez. O melhor exemplo dessa pressão aconteceu nos minutos finais, quando Petros cometeu falta em Gum, roubou a bola e rolou para
Guerrero errar a mira bisonhamente com o gol aberto. Pouco antes, Fred havia
perdido gol na pequena área, chutando em cima de Cássio, o Corcunda de Notre
Dame.
Numa noite em que os dois maiores
artilheiros do país estavam divorciados das redes, o resultado só poderia ser
0x0. Que venha a turma da “confujaum”, que entra ano e sai ano só faz figuração
no campeonato brasileiro. Com a volta da Múmia do Charuto, nem aquele
estadualzinho sagrado e conquistado na base do apito lhe restou. Que o
Fluminense vença e determine o fim de mais um “pojeto” na Gávea. Tá xerto?
TIRO LIVRE:
- Assim como na 2ª partida da
semifinal do carioca, Vinicius saiu de campo visivelmente cansado. Possui
apenas 23 anos de idade. Renato saiu do jogo sentindo câimbras. A partir dos 25
minutos do 2º tempo era visível a superioridade física do Corinthians. Está
ligado o sinal de alerta na preparação física/ fisiologia.
- Sem interferir na partida de
forma grosseira, Héber Roberto Lopes deu um show de como sabotar uma equipe nos
detalhes. Inverteu faltas e laterais contra o Flu, usou critérios diferentes ao
marcar falta de ataque de Fred em lance no qual a bola resvalou seu braço e
deixou de marcar pênalti a favor do Tricolor em lance parecido, no qual a bola
resvalou no braço de Gil. Abusou da paciência com Petros e Guerrero, e fez
questão de mostrar autoridade com Fred e Gum.
- A cada entrada de Lucas Gomes
no time do Fluminense a gente se dá conta de como faz falta um bom teste
vocacional. A cada conclusão ou passe errado do atacante, Biro-Biro faz um gol
pela Ponte Preta. E fica evidente a falta que faz Kenedy, que com todos os seus
defeitos, dá muito mais volume de jogo ao ataque tricolor.
- Fred, esfrie a cabeça. Vai ter
sempre um Alan Ruiz, um Pará ou um Petros prontos a tirar proveito do seu pavio
curto e contando com o olhar atento do STJD, sempre ávido por imagens
recuperadas e súmulas dedo-duro. A cultura do futebol brasileiro não vai
mudar tão cedo. Então melhor você contar até dez.
- Enderson errou ao sacar
Vinicius do time, ao colocar o escalafobético Lucas Gomes e ao improvisar Magno
Alves como articulador de meio de campo, mas ao menos fez alterações que
buscavam aumentar a agressividade do Fluminense e consequentemente a vitória.
Sempre dou algum desconto para o treinador que não se contenta com o empate.
Em memória de Jaime Gold, pai, médico, tricolor (Reprodução) |
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